quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Os contos bregas de Thiago de Góes, com suas Lobas, deusas e ninfetas – kitsch como estilo

Kitsch, palavra de origem alemã (verkitschen), designa valores estéticos distorcidos e/ou exagerados, o que ocorre, no caso do texto literário, através do uso de estereótipos, chavões, lugares-comum, floreados. O escritor passa, com a utilização desse modelo, a ter um estilo marcado pelo brega. Ou seja, faz uma literatura “menor” do ponto de vista do que a elite literária convencionou como chique/maior.
No Brasil, especialmente, toma-se como kitsch o que parece de mau gosto. No território das artes, temos, como exemplo, a música de duplo sentido, a dor-de-cotovelo, os textos melosos ou, no caso das artes cênicas e da literatura, os melodramas lacrimosos. Nada mais irônico do que falar da sociedade, associando-a ao kitsch, que ela tanto rejeita como um valor distorcido da beleza que cultua.
Lendo as narrativas de Contos bregas, de Thiago de Góes, publicadas em 2005 pelo selo literário potiguar “Novos escribas”, temos um exemplo perfeito de criação assumidamente em cima do que se chama brega; o próprio título da obra já faz esse anúncio, bem como sua capa coloridíssima e o prefácio feito pelo cantor Falcão. Thiago escolheu a dedo canções sedimentadas no imaginário popular e criou, a partir das letras, personagens, situações e sentimentos os mais diversos: ódio, amor, vingança, traição, armações de namorados, loucura, prostituição, bebedeiras, esquizofrenia, suicídio. Por vezes irrompe o gênero fantástico (a fusão do homem com o cachorro, o homem/imagem/espelho, o fuscão que avisa ao marido da traição da mulher com seu melhor amigo, aparição de espíritos) e as histórias se fazem por acontecimentos inexplicáveis pelas leis da razão. O mais inusitado é que os contos têm, quase todos, títulos de músicas bregas, de onde também são retiradas as epígrafes; o leitor, desse modo, vive as situações e intui sua trilha sonora. A linguagem, sem rebuscamento, com traços da oralidade, não foge do lugar comum, ao contrário, prima por ele. O sumário do livro parece mais uma seleção de músicas: “Eu não sou cachorro, não!”, “Cadeira de rodas”, “Aparências”, “Fuscão preto”, “Meu ex-amor”, “No toca-fitas do meu carro”, “Deixa essa vergonha de lado”, “Eu te peguei no flagra”, “Tranquei a vida”, “A última canção”, entre outras. O repertório se coaduna perfeitamente com a atmosfera, a postura dos personagens e, sobretudo, com os enredos das narrativas, cujos dramas aparentemente banais revelam muito da condição existencial do homem urbano do nosso tempo.
Mais recentemente, em 2007, Thiago traz à lume outro volume de contos – Lobas, deusas e ninfetas – reafirmando sua preferência pelo Kitsch. Como no livro anterior, os contos vêm todos com epígrafes de músicas românticas, desta feita, exclusivamente interpretadas por vozes femininas, como Kátia (a prefaciadora), Roberta Miranda, Joanna, Maria Bethânia, Rosana, Alcione, Diana, As Frenéticas e Lílian. A maioria dos títulos dos contos também é retirada de músicas, cujas letras inspiraram as histórias: “Amanhã talvez”, “A majestade, o sabiá”, “fatalidade”, “Lembranças”, “Negue”, “Perigosa”, “Tô fazendo falta”, “Escrito nas estrelas” (entre outras). Histórias de encontros e desencontros, abandonos, traições, solidão, impotência diante das limitações e amores patológicos parecem transplantadas da realidade para a ficção. As protagonistas são predominantemente mulheres sensuais, erotizadas ou simplesmente solitárias e desiludidas. É delas o universo que se delineia, como já diz o título da obra. O gênero Fantástico volta no melhores contos da coletânea: “Lembranças” e “Rebelde”. No primeiro, o espírito da mulher morta insiste em manter-se na terra; no segundo, a menina pervertida e drogada conversa com um quadro cuja figura é um palhaço; ao insinuar-se para a figura, descobre que ele é o pai que ela nunca conheceu (viu-o apenas uma vez, sem saber quem era). Antenado com seu tempo, Thiago incorpora tanto a linguagem como os gêneros textuais do mundo virtual: Blogs, Orkut, Messenger e faz de seus personagens seres contemporâneos, parceiros de uma era tecnológica.
Nas duas obras, ele mostra, a despeito de inspirar-se em conhecidas canções, originalidade e inventividade. Seja fazendo rir ou chorar, brincando ou falando sério, seus personagens conquistam o leitor e levam-no a aventuras por vezes tragicômicas. Consciente do seu estilo, Thiago executa-o da melhor forma, assumindo uma postura austera diante dos rótulos e não evitando-os. Não se pode, pois, dizer que seu estilo é marcado pela falta-de-estilo, ao contrário, é seguramente marcado pelo que a elite literária rejeita: o lugar comum, a dor-de-cotovelo. Essa adesão explícita e sincera faz dele um dos mais vigorosos e autênticos ficcionistas de nossa época.

Um comentário:

Thiago de Góes disse...

Fiquei emocionado com esta resenha. Muito brogado, Aíla!