quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Do ser plural ao singular: a ressignificação de uma trajetória

Introdução

O texto autobiográfico, literário ou não, tem a função de resgatar o passado e cristalizá-lo no tempo presente, por alguma razão. O narrador, geralmente em 1ª pessoa, expõe as experiências vividas, evidentemente, utilizando o filtro do ser que é no momento do relato e não do ser que foi. Não são poucos os exemplos de obras que têm a memória como estro da criação, seja na área da literatura, do jornalismo ou do universo artístico em geral. Faremos, neste ensaio, algumas considerações sobre esse gênero, que se afirmou nos anos 70, e centralizaremos nossa análise no livro "Entre o poder e a madrugada", de Augusto César Benevides, que fez (e faz) história na publicidade e no jornalismo cearenses.

Buscaremos, através do relato memorialístico de suas experiências, entender a dinâmica da Fortaleza dos anos 70, com suas modificações no cenário econômico e social; no setor artístico, na movimentação da noite; nas áreas do jornalismo, da publicidade e no próprio comportamento da juventude, especialmente do autobiógrafo, que se revela dividido entre a jocosidade sedutora da ‘madrugada’ e a seriedade comprometedora do ‘poder’; sua decisão implicará a ressignificação de sua trajetória.

1 A narrativa memorialista

A narrativa memorialista toma impulso, nos anos de 1970, com o romance-reportagem, uma tendência pós-moderna que se alicerça na transdiscursividade e legitima o namoro do jornalismo com a literatura. Muitas obras demarcam os limites laterais do biografismo, com ambos mantendo fronteiras às vezes difíceis de serem demarcadas. Segundo Walnice N. Galvão (2004), o memorialismo, há tempos praticado no país, deu um salto de qualidade ao surgir a obra de Pedro Nava: “com uma capacidade invejável de reconstituir os ambientes de sua ancestralidade até várias gerações, e criando com liberdade o que não podia propriamente reconstituir, Pedro Nava acaba por fazer também um pouco de história imaginária, ou do imaginário. Ergue-se ante nossos olhos o passado de Minas”. A narrativa biográfica tem, pois, esse mérito de reconstituir, utilizando a trajetória de um personagem real, a trajetória de uma geração, a história de uma época e de um espaço.

Assim ocorreu com Pedro Nava, que juntou imaginação e memória nos relatos de suas experiências; com Marcelo Rubens Paiva, em seu Feliz ano velho, livro que conta o acidente que o deixou paraplégico e os dias que o sucederam, entre outros que, ao modo de Graciliano Ramos, Érico Veríssimo e Raquel de Queiroz, transfiguraram para a literatura episódios de suas histórias. No Ceará, destaca-se Milton Dias com suas crônicas de memórias. Entre artistas e jornalistas também é comum encontrarem-se relatos acerca de suas vivências, que acabam por constituir, muitas vezes, recortes de um período marcante de suas vidas e do espaço-tempo em que tudo foi vivenciado.

Essa opção por narrar-se, ou seja, transformar-se em personagem, é curiosa e suscita uma reflexão sobre o significado da experiência vivida tanto para quem a expõe, no momento em que a expõe, pois já não é a mesma pessoa que viveu os fatos, como para o leitor. Marta Campos (1992 pp.28-9) faz algumas considerações a esse respeito: “Quando um autobiógrafo confere um significado a um tempo passado, ele certamente optou por um dos muitos significados que o acontecimento pode ter tido ou talvez tenha conferido ao fato um significado totalmente novo, que ele só adquiriu muito tempo depois. Este significado, por sua vez, revela muito mais sobre a situação do autobiógrafo no momento da escritura do que sobre o homem à época do acontecimento”. De fato, mudanças se operam na pessoa, no decorrer do tempo, e a própria visão sobre o passado se modifica, pois que o próprio autobiógrafo pode reinterpretar, de formas diferenciadas, as experiências passadas. Tanto é verdade, que é comum declararem: “há coisas que hoje eu não escreveria”.

2 A ressignificação de uma trajetória

Numa linha jornalística, sem pretensões literárias, o publicitário e jornalista, Augusto César Benevides, lançou, em 2001, o livro Entre o poder e a madrugada, com relatos leves, bem humorados, irônicos; por vezes pulsantes e extremamente sérios. Digo sérios, porque se entrevê a autenticidade das declarações, a disposição para ultrapassar o mero relato. Não se lê apenas as histórias do homem, mas o homem em sua dimensão humana, seu caráter, sua sinceridade. A vida do menino peralta que se fez adulto sob os holofotes de uma sociedade (que nem sempre perdoava os ‘rebeldes’) é delineada em suas várias fases, descortinando, por extensão, a latência da juventude dos anos 60 e 70 na nossa capital, com seu espírito de aventura e desejo de transcendência. O livro adquire, assim, um caráter também documental, pois, embora se perceba, como se disse, laivos de ironia e humor, fica evidente o compromisso com a verdade.

Buscando ressignificar sua trajetória, ou dela apropriar-se pela memória, Benevides desdobra suas faces a partir das fotografias da capa, em que aparecem duas metades do seu rosto: em uma delas, a seriedade do homem é toda ‘poder’; na outra, o sorriso parece evocar a lua de suas serenatas, e o homem-menino é o boêmio que a todos encantava com sua voz e seu poder de sedução. Assim, o título da obra harmoniza os dois ‘mundos’ pelos quais transitou e, nas narrativas, essa ‘dualidade’ se traduz no equilíbrio de um ser plural que soube viver, sonhar, lutar e realizar, com o tempero da ousadia, sem suor visível, mas com um espírito visionário impressionante. Os percalços são descritos com tanto humor e coragem, que o leitor se deleita com os contornos de “céus azuis e dunas brancas”, mediante o pacto feito por ele com a alegria, sem desconhecer que “em cada aurora se esconde a face ansiosa da vida”.

A madrugada o seduzia, com suas belas mulheres, vinhos e risadas de amigos. O poder o arrastava pelas madeixas cacheadas. O sorriso, entretanto, de um ou outro lado, convencia a todos que era uma pessoa absolutamente verdadeira em qualquer dos lados. Dos clubes para as redações de jornais, nasceu o executivo respeitado, carismático, dono de um perfil austero que negava o moleque que andava pelos telhados e fazia serenatas nas janelas das namoradas. O que garantiu, entretanto, sua singularidade, e essa é uma visão paradoxal, foi exatamente a fusão do homem no menino, do peralta no austero. Mesmo sem a organização cronológica na seqüência dos relatos, vê-se que mudaram os referenciais, as conquistas, não a sua essência de pessoa feliz, apaixonada pela vida, por sua terra e sua gente.

Dono de um poder de observação fantástico e uma memória prodigiosa, ele resgata episódios cômicos, momentos graves, recordações de viagens e presepadas, numa linguagem simples e escorreita, num ritmo de conversa, como se estivesse à vontade, entre amigos, revivendo passagens da sua história. Essa espontaneidade, aliada à sua capacidade imaginativa, não perde o tom nas revelações de bastidores do poder, nas confissões mais íntimas, nem nos momentos de mea-culpa, em que assume os excessos da juventude, as omissões de afeto, sem, entretanto, qualquer travo de amargura ou arrependimento. A voz do homem parece a do menino que ele não deixou de ser: “...numa noite, em um sonho, um anjo me avisou que eu havia controlado as minhas emoções, tinha sido paciente para esperar nos bastidores, o papel que a vida me havia dado para desempenhá-lo no palco da vida /.../ Só não esperei para descobrir que a alegria é a qualidade mais vibrante e mais próxima de Deus” (p.16)

3 A história de uma época, de uma geração, de uma cidade

Ao falar de sua vida, Benevides fala, como já referimos, de toda uma geração de jovens que freqüentavam tertúlias e bailes de carnaval, praias ensolaradas e boates, a Casa do Pereira e os clubes: Iate, Líbano, Maguary, Diários e Náutico nos anos 70, alguns nem mais existem hoje. Conta, na transversal, fatos inusitados que marcaram o então incipiente mundo do jornalismo, da publicidade e da televisão cearenses, os nomes lançados na época em todos os setores. Mostra o início do Pessoal do Ceará, um movimento que enveredou pelo sul maravilha, mas não desprendeu as raízes da terra cearense, onde se perpetuou como um marco na história da música.

O surgimento de novas lideranças políticas está bem assinalado, bem como os empreendimentos marcantes, que mudaram a dinâmica da cidade. A partir da construção do Center Um, no início dos anos 70, cujo lançamento de inauguração ficou sob sua responsabilidade, ocorreu a descentralização do comércio fortalezense que, até então, restringia-se ao centro, especialmente à Praça do Ferreira e à Rua Barão do Rio Branco, com o chamado ‘quarteirão do sucesso’, e às ruas Major Facundo e Floriano Peixoto, onde localizavam-se as lojas de maior expressão, e os cinemas. Qualquer compra que se pretendesse fazer, teria que ser feita no Centro, onde as pessoas se submetiam inevitavelmente ao calor e aos já atentos "batedores de carteira". O primeiro passo para a descentralização foi o Center Um, que oferecia tudo num só lugar: lojas, lanchonetes, supermercado, cinema e estacionamento, dando à população o conforto de uma escolha fora da aglomeração do Centro. As lojas proliferaram pelos bairros, e Fortaleza aderiu às ‘catedrais do consumo’ já existentes em São Paulo, Porto Alegre e Recife: eram os Shoppings Centers que disseminariam o desejo de consumo, conjugando conforto, comodidade e a sonhada segurança.

É interessante observar que, nesse momento, começa, de forma bastante ousada, sua história na publicidade. Responsável pelo lançamento do primeiro Shopping Center cearense, Benevides resolveu trazer um elefante para a cidade, símbolo do Jumbo, supermercado âncora do empreendimento, e convidou o cantor Ednardo, do qual era produtor, para compor o jingle da campanha, cuja letra traduz bem o significado do produto:

"Depois que derrubaram
a Coluna da Hora
depois que derrubaram o Abrigo Central
O centro da cidade mudou pra outro local
Lá tem ar pra respirar(numa referencia ao ar cindicionado e
o calor do centro),
Tem coisas lindas pra olhar
Pois o centro agora é o Center Um".

Embora celebre a descentralização do comércio com o surgimento do primeiro Shopping, nota-se um lamento pelo abando do Centro da cidade, onde, segundo ele, faziam-se grandes promoções nas lojas, com bandas tocando na porta, desfiles, enfim, coisas que davam certo, porque atraíam multidões, sem o apelo desmedido da mídia atual. Tudo era planejado, pensado e executado pelos publicitários e suas equipes, entre os quais destacava-se o Tarcísio Tavares.

Com efeito, a memória de Fortaleza é constantemente evocada, de modo saudosista, nas referências ao Centro: Praça do Carmo, Cine Art, Assistência Municipal (hoje Hospital José Frota), Praça do Ferreira, Rua Assumção, Av. Barão do Rio Branco, Faculdade de Direito, União dos Moços Católicos, a LOBRAS, primeira loja de escada rolante, cenários de sua infância e adolescência – onde ele aprendeu “como Gulliver, a não andar como gigante entre pigmeus”.

Também, pela sua voz, sabemos de artistas que despontaram e se afirmaram, na época, e da descoberta do Ceará por muitos famosos. A vinda de muitos deles, inclusive, dava-se em função de campanhas publicitárias. Quando os clubes elegantes estavam começando a perder o encanto, as diretorias passaram a trazer artistas para shows à meia-noite. Só com esse artifício os clubes voltavam a ficar lotados. Aí surgiram as primeiras boates: Preto e Branco (no Clube Líbano), Meia Noite (no Othon Palace, antes Imperial), Barbarella, Senzala (perto do antigo aeroporto). Nesse período, também, começavam a acontecer grandes shows, incrementavam-se os jornais e as colunas socias.

Quando conta sua experiência como diretor de TV, ele registra o momento em que o monopólio da Rede Globo foi abalado pela Rede Manchete, com a ousadia dos Bloch de enveredar por um território até então exclusivo dos Marinhos: as novelas. Comenta, com propriedade, que não decepcionaram o público e que muitas delas ficaram na história da televisão brasileira: A Marquesa de Santos, Dona Beija, Kananga do Japão, Pantanal, entre outras. À frente da Emissora, no Ceará, Benevides colocou no ar também uma programação com ‘cor local’, no intuito perene de valorizar sua terra. Como já dissemos, as mudanças no setor comercial já ocorriam, e o turismo começava a incrementar-se. A Rede Globo, na tentativa de neutralizar a Bloch, gravou uma novela aqui, mas, com isso, apenas atraiu mais atenção para as nossas praias. O governo, por sua vez, passou a publicar anúncios, com as próprias modelos que estavam a trabalho, em revistas de circulação nacional. Enquanto isso, a TV Manchete cobria tudo e mandava matérias para o Rio de Janeiro, abrindo espaço nacional para políticos e artistas locais. Pode-se dizer que esse período, com toda esse investimento em mídia publicitária, foi definitivo para a projeção do nosso estado lá fora. Mas isso tudo não aconteceu da noite para o dia.

O setor publicitário e, claro, o comercial, foi, sem dúvida, alavancado pela estratégia de trazer artistas e modelos ao Ceará. A Rede Manchete, que era parte do Grupo Bloch, tinha na editora seu faturamento mais expressivo. As revistas: Manchete, Desfile, Tendência, Fatos & Fotos,Geográfica Universal, Amiga, todas de circulação nacional, eram, na época, representadas por Augusto César Benevides, então Superintendente Regional do Grupo. Com ajuda do governo do estado, o grupo trazia mensalmente uma personalidade do meio artístico para Fortaleza: Luiza Brunnet, Xuxa, Cristiana Oliveira, Rose di Primo e muitas outras que faziam sucesso no Brasil inteiro. Segundo conta o livro, elas vinham, ficavam de 10 a 15 dias em Fortaleza e eram fotografadas para capas e reportagens, usando peças da nossa moda: chapéus de palha, rendas e labirintos, tendo como cenário o nosso litoral. Em contrapartida, lançaram-se artistas cearenses no eixo Rio/São Paulo, que passou a descobrir os encantos do Ceará, das praias cearenses. A partir de então, a visão que se tinha da nossa terra e da nossa gente se modificou, e as gozações em torno da nossa cultura, do nosso léxico e do nosso sotaque foram amenizadas, afinal, ‘passaram a saber’ que éramos moradores de uma terra charmosa, cheia de seduções e não apenas palco de ‘nordestinos xucros e esfomeados’.
O que mais chama atenção nesses relatos é o vigor da juventude dos anos 70 e 80, que, embora fosse boêmia e festeira, assumia sua profissão e queria fazer acontecer, mantinha-se em movimento. Parecia existir, no afã de descobertas e quebras de tabus, uma preocupação em realizar, todos conscientes de que estavam trabalhando para as futuras gerações. Foram os jogos de marketing, há pouco citados, que atraíram olhos para a nossa terra e fizeram com que nossos empresários passassem a anunciar nas revistas da Bloch e de outras editoras. Foi, também, o maior momento da moda cearense, haja vista o sucesso de vendas no setor de confecções, que ganhou várias fábricas de jeans; a Maraponga virou um pólo de moda do Brasil, confirmando nossa excelência no setor têxtil. A jornalista Rozane Quezado, que ajudou na organização do livro e escreveu o prefácio, diz que a geração ‘gutista’ marcou época e “não apenas do ponto de vista da responsabilidade profissional – era uma geração de boas idéias e ricas produções -, mas pelo sentimento de liberdade, recheada de ingredientes da boa malandragem, do companheirismo, da vida em festa”.
Fazendo uma avaliação do momento atual, a jornalista diz que livro deveria ser lido por outras gerações, “principalmente pela atual que, em sua maioria, está contabilizando suas alegrias e prazeres nos ambientes de interação pela Internet, onde a sociabilidade virtual tomou o lugar do contato pessoal, do abraço entre amigos e das brincadeiras de grupos que, ao meu ver, a tecnologia não encontrou substituto”.

O registro mais importante, que marca o caráter dos jovens da época, é o do amor à terra, o desejo de conservação do patrimônio, da memória da cidade. O cantor Ednardo, revela Benevides, chorou muito ao seu lado quando viu as ruínas do Castelo do Plácido, na Santos Dumont (onde hoje fica a CEART), derrubado criminosamente para a construção de um supermercado que nunca surgiu. A partir dali, compôs uma de suas mais belas letras: "Longarinas"

"E o mar engolindo lindo,Antiga praia de iracemaE os olhos verdes da meninaLendo o meu mais novo poemaE a lua viu desconfiadaA noiva do sol com maisUm supermercadoEra uma vez meu casteloEntre mangueirasE jasmins florados.E o mar engolindo lindo,E o mal engolindo rindo.Beira-mar, beira-mar..."

Esse espírito de construção de uma identidade da terra pátria, bem como a disposição para projetar-se no sudeste do país se traduziram nos desafios enfrentados por nossos cantores e compositores, que foram para o Rio de Janeiro para voltar "em video tapes e revistas super coloridas"("Carneiro", Ednado). Não apenas projetos musicais se realizaram, mas de arquitetos, publicitários, cineastas, jornalistas, atores e diretores de teatro (Aderbal Junior), humoristas(Chico Anísio e Renato Aragão), médicos e tantos outros profissionais. Quase todos vindos de famílias simples, “sem dinheiro no bolso, sem parentes importantes e vindos do interior”, como cantou Belchior.

O panorama histórico dos tempos da ditadura não falta à sua reflexão: “A década de 70 ficou em nossa memória e na cabeça de muitos como uma época de transformações e mudanças no sistema internacional com forte influência no Brasil. Nos primeiros anos, ou mais precisamente, até o final de 1973, era possível imaginar que continuaríamos sob o domínio das tendências internacionais herdadas dos anos 60. Nessa época, o MDB saía de uma postura de quase clandestinidade imposta pelo regime militar para a avalanche eleitoral de 1974, quando elegeu 16 senadores e uma aguerrida bancada de deputados. Essa derrota fez o governo militar instituir a lei Falcão, que impedia o acesso de candidatos ao microfone das emissoras de rádio e televisão” (p.20). Em outras passagens, delineiam-se referências à Ditadura sob a ótica do humor, com o qual ele soube driblar a censura:

Há, ainda, uma memória fotográfica que ilustra os momentos marcantes de sua vida e, extensivamente, da televisão cearense. Benevides mantém humor, fina ironia e leveza aos seus relatos, transparecendo seu idealismo e sua força realizadora. Nada sobrenatural, entretanto. No discurso risível da obra, percebe-se claramente que determinação, ousadia sorte, e discernimento, sobretudo seu amor à vida, foram os ingredientes fundamentais para sua realização como profissional e como homem, como ser humano capaz de mudar o curso da sua própria história e fazer do plural o singular, ou seja, de abrir-se para todas as possibilidades, mas, com discernimento, fazer suas opções. Seu segredo é declarado: “Eu me apaixonei pela vida desde que abri os olhos. E fui me apaixonando cada vez mais, à medida que abria a mente para o mundo”. Essa paixão se amplia, quando ele se percebe cidadão do mundo, mas absolutamente ligado e comprometido com o seu estado, com sua cidade, cujas reminiscências são, também, em determinado tempo, as suas.

Considerações finais

É abrindo o baú da memória que se reconstrói o passado, cujo resgate não ocorre à toa. Busca-se recuperar o tempo transcorrido e cristalizá-lo em palavras, registrá-lo para a ‘posteridade’, deixando, assim, a marca de uma tradição. A palavra é a forma de eternizar-se e eternizar a história de uma sociedade num recorte de tempo que se julga importante. Sem descartar essa função, pode-se, ainda, dizer que a narrativa memorialista busca também, construir um alter-ego, no caso da obra em foco, de um rapaz que parou de brincar com a vida na hora certa e assumiu o seu papel de homem atento às mudanças sociais, econômicas, políticas e, até, existenciais. Desse modo, cumpre uma função que, de acordo com Foucault (1995), os textos autobiográficos, na cultura greco-romana, desempenhavam: ‘aconselhar para prevenir fatos semelhantes’, o que, no contexto, podemos interpretar como uma forma de mostrar ao ‘outro’ o que pode ser feito e o que não deve ser feito para sair do vento da ‘madrugada’ e escalar os degraus do ‘poder’. Tome-se a palavra ‘poder’ em todos os sentidos possíveis, inclusive no de ser capaz de transpor limitações e viver o inimaginável, sem corromper-se.

É traçando esse retrato de sua cidade que Augusto César Benevides constrói o seu próprio. Seja qual for a intenção consciente ou inconsciente, a função de utilizar a palavra como arma de construção e/ou desconstrução de uma imagem, de um tempo e de um lugar, se cumpre na obra Entre o poder e a madrugada. Além de ressignificar a trajetória do menino peralta que virou o adolescente rebelde e renasceu no homem sério, o relato mostra os dribles de um espírito irreverente e boêmio, mas, ao mesmo tempo, centrado e visionário, que soube ousar e marcar época no jornalismo e na publicidade local. Ligada à história do dele, como mostramos, está a história da juventude dos anos 70, freqüentadora de clubes e mesas de bar. Dessa forma, a cidade de Fortaleza torna-se cenário e personagem também, o que dá ao livro um caráter não apenas confessional, mas também documental.


Referências

BENEVIDES, Augusto César. Entre o poder e a madrugada. Fortaleza: RBS, 2001.

CAMPOS, Marta. O desejo e a morte nas memórias de Pedro Nava. Fortaleza: Edições UFC, 1992.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 1995.
GALVÃO, Walnice Nogueira. “A voga do biografismo nativo” http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142005000300026&script=sci_arttext . Acesso em 14/10/2008

31 comentários:

Artur disse...

Aila,
acabei de ler este post. Muito bom. Comentarei com mais calma. Mas olha so que coisa: uma hora atras postei sobre a narrativa no meu blog.
Algo que um amigo psiquiatra me contou num boteco, umas pesquisas sobre o narrador e o conceito de "eu".
Depois, se puder, da uma olha e conversamos a respeito.
obrigado pelo link, mana blogueira.
o seu ja esta no meu blog ha muito tempo.
Paz e bom humor, sempre.

Anônimo disse...

Aila, fiz o coment'ario acima, mas estava aberto e ainda esta o hotmail de meu filho, por isso o nome saiu Haddad.
Mas o coment'ario 'e meu, Walmir do http://walmir.carvalho.zip.net
Abraco, mana blogueira e poeta

Walmir disse...

Aíla, não vou me deter na obra do Benevides, mas aproveitar o mote da sua introdução para falar de umas desconfianças em relação às narrativas memorialistas, em geral na 1ª pessoa, mesmo que levadas ao público pelo autor que vive o momento e não pelo que viveu os fatos narrados.
Tornou-se espécie de mania, de principal entre autores mineiros.
É mais fácil? Não sei dizer. Mas, hoje, é dominante entre novos autores.
O que se busca com esta narrativa? Talvez conferir maior credibilidade ao que é narrado como se fosse um romance ou conto-reportagem.
No cinema virou doco-drama.
Tenho sérias desconfianças sobre esta credibilidade.
Vejo apenas o personagem narrador, pois os outros ficam, em geral, indistintos. É o que acontece com Nava, com Oswaldo França Jr, com Marcelo Rubens Paiva.
Gosto quando estas narrativas se dão no âmbito de contos, de crônicas.
No romance elas me parecem dar mão à sociedade do espetáculo, cada qual querendo se expor mais individualmente, colocar-se bem na vitrine.
Parecem-me ligadas diretamente aos reality shows.
Está acontecendo também no teatro. Tendências bem novas – mas ancoradas em pensamentos dos anos 1970 - pregam que não existe mais a personagem, o que existe é o ator expondo-se visceralmente e no qual o público pode enxergar a personagem.
Se o autor revela-se a si mesmo, visceralmente, mesmo que numa ficção, ele deixou de fazer arte, embora use técnicas da representação artística. No teatro, hoje, não gostam que se diga representação, mas atuação.
Se isto acontece caímos de cabeça no reality show.
E o público gosta muito.
Mas desconfio que nos afastamos da arte. Literária, cinematografica, teatral. Viramos em exibicionistas.
No reality show da TV Globo a narrativa autobiografica se faz no momento, cada integrante vai se virando na personagem de si, torna-se autobiógrafo. E com isso procura aprovação do público numa novela bem longa. E vai se ressignificando ao longo da novela real. Quer dizer, o personagem-narrador do presente passa a buscar em seus primeiros dias na casa suprimentos para o momento.
Daí que as considerações de Walnice N. Galvão servem para qualquer narrativa memorialista, desde Pedro Nava ao Big Brother.
Real?
Então volto ao princípio, gosto mais da narrativa memorialista ou da narrativa em primeira pessoa para contos, crônicas. Acho que fica pobre no romance.
Abraço

fulinaíma produções disse...

Aila, gostei muito dos seus textos há algum tempo passado eu tinha cntato com o Nilton Maciel, quando ainda através dos correios, na década de 80. Se for poessíel gostaria do seu e-mail. Trabalho com produção, literária, musical e cine vídeo peosia.
parabéns pelo blog
ARtur Gomes
http://goytacity.blogspot.com
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www.pedradosertao.blogspot.com disse...

Olá, Aíla,

muito interessante este texto, trabalho com relatos biográficos - claro que em uma outra linha - mas leio muito sobre a questão do texto memorialístico. Darei uma olhada nas referências, porque encontrei um olhar por uma Fortaleza que vi quando lá fui morar e que está tão diferente. abraço

Anônimo disse...

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