domingo, 19 de agosto de 2007

Batista de Lima: entre a pele e os abismos da palavra

Apresentação do livro Pele e abismo na escritura de Batista de Lima, de Nilto Maciel

É sempre importante saber o que diz a crítica sobre um livro. Vê-lo desbravado pela argúcia de um olho atento a descobrir-lhe o cerne ou inventar-lhe uma alma. Ter uma trilha por onde andar, antes do escorrego, ou ter onde segurar. Os textos críticos são esse porto seguro de vozes sensatas que indicam caminhos, atalhos, provocam o leitor ao mergulho. Os livros de Batista de Lima tiveram o privilégio de atraí-los, despertaram a atenção de críticos e estudantes, motivaram leituras, seus versos ganharam a rua, sua prosa deu o que falar. Pele e Abismo na Escritura de Batista de Lima veio mostrar que a sua produção literária, como a científica, não estancou nas prateleiras, tampouco passou despercebida; veio confirmar o interesse dos que leram e atravessaram a epiderme da sua palavra para abismarem-se nas linhas e entrelinhas da sua escritura. Nilto Maciel, leitor e crítico de seus textos, estabelece intersecções entre o poeta, o ficcionista e o ensaísta (Batista de Lima), não enxerga cada gênero isoladamente, entende-os ligados por uma linguagem sempre poética e particular. Diz que o poeta dá a mão ao narrador e ambos caminham de cabeça erguida no vasto mundo das letras. Foi esse Nilto, com sua alma de ficcionista e pesquisador do texto literário, quem, criteriosamente, reuniu os melhores textos sobre a obra batistiana e presenteou-lhe com esta Fortuna Crítica.

O livro se divide em quatro partes. Na primeira, temos a palavra do organizador que expõe como finalidade primeira da obra a fonte de pesquisa para os estudantes de Letras. Às suas palavras, segue um poema de Yacilton Almeida, uma biografia resumida e o discurso que o prof. Linhares Filho proferiu, quando da posse do conterrâneo lavrense na Academia cearense de letras, ressaltando a qualidade do seu trabalho em todos os gêneros execitados e prenunciando a perenidade da sua escritura, então imortalizada pelo seu destino de acadêmico. Segue-se com uma entrevista concedida ao Nilto, para a Revista de Literatura (2004), em que o contemplado fala de sua vida, sua trajetória literária, suas influências, seu processo criador, e seu ofício de amante das letras.

A segunda parte reúne textos críticos sobre as obras poéticas, iniciando com o Dias da Silva falando para os leitores do Jornal Tribuna do Ceará, em 1975, sobre sua auspiciosa estréia no gênero poético, com Miranças, e assinalando sua busca persistente por uma poesia concisa e densa. Adiante, Os viventes da serra negra, Engenho e Janeiro da encarnação vão ganhando matizes nas análises de Dimas Macedo, Francisca da Paz Menezes Carvalho, José Alcides Pinto, Sinésio Cabral, Joaryvar Macedo, Francisco Carvalho, Edimilson Caminha Júnior, Pe. Antônio Vieira, Deusdedith Souza, Barros Alves, Aldenor Aires, Carlos Augusto Viana, Francilda Costa, Giselda Medeiros, Nilto e Dias. De longe, Luiz Rufato e Akemi Waki ligam a sua poética à voz do seu povo, reiterando a voz de nossos melhores críticos sobre sua temática social, humanista, sobre seu lirismo vezes memorialista vezes filosófico, sobre sua forma de conceber o poema, como um processo de fusão entre inspiração e transpiração. Poeta da síntese e das elipses, como adverte Dias, Batista não peca pelo excesso ou pela falta, tem poder de concisão e consciência do uso da palavra como um trabalho de linguagem, embora não desprovido de emoção.

O contista é o objeto de estudo dos ensaios da terceira parte do livro, que reúne textos sobre O pescador de Tabocal e Janeiro é um mês que não sossega. Destacam-lhes características como o humor, o picaresco; classificam-nos como regionalista, realista, memorialista; estudam-lhes as metáforas. Em tudo fica evidente que o seu processo criador é múltiplo: ele junta memória e observação a um espírito imaginativo prodigioso. Suas histórias nascem de “causos” ouvidos, vividos ainda menino ou já adulto, que ele recorda e transforma em ficção. Estudantes de letras e críticos literários desnudam-lhe a essência: Nilto, Karla Paiva, Catarina Lobo, Arthur Eduardo Benevides, Dias, Delênia Holanda, Jaqueline Bastos, Herivaldo Oliveira Rocha, Elder Freitas Vidal, Renia Bezerra, Elisabeth Ávila Silva, Jorge Tufic, Graças Müsy, Larissa Pelúcio, Ângela Gutièrrez, Luiz Nazareno Magalhães, Wesclei Ribeiro. A prosa de Batista é declarada, em voz uníssona, como concisa, simples, mas extremamente expressiva. Com efeito, quem o lê sabe que ele transita pela temática regionalista, pela crítica social e política ou pelo fantástico, com a mesma desenvoltura, sem perder-se na construção do gênero, nem distrair-se de seus elementos constitutivos, embora, como diz o Nilto, perceba-se claramente o poeta de mãos dadas com o prosador.

Na terceira parte, temos o ensaísta percuciente, a voz do leitor atento (e do professor) avaliada por profissionais de letras que lhe apontam a capacidade analítica para o texto literário. Parece-lhe perfeitamente fácil conciliar a posição de poeta, ficcionista e crítico. É o que afirma Vianney Mesquita e Costa Matos ao comentarem as obras Moreira Campos: a escritura da ordem e da desordem, pesquisa de sua dissertação de mestrado, e Vazios repletos, ensaios que contemplam escritores brasileiros e estrangeiros, num registro do seu interesse por uma diversidade de gêneros e estilos. Aliás, o título trai o poeta: “vazios repletos” é uma antítese sugestiva, rica em conotações. Célia Felismino e Giselda Medeiros destacam-lhe, ainda, o interesse pela literatura cearense em O fio e a meada, coletânea de textos críticos sobre escritores de nossa terra, sobretudo os contemporâneos.

Pode-se perfeitamente, com este Pele e abismo, aquilatar a dimensão que a obra de Batista de Lima tem para a literatura brasileira. Nilto Maciel, com esta publicação, não apenas facilita a pesquisa acadêmica sobre o texto batistiano, desperta-nos para os muitos “josés” que moram neste Batista, homem simples e complexo em seu poder criativo, que ainda se acha “panos poucos para vestir tantos abismos”. Parabéns ao Nilto por dignificar a literatura cearense com esta obra que, certamente, constituirá uma fonte de pesquisa para os tantos que ainda se aventurarão pela palavra de Batista de Lima, buscando na pele de cada uma, abismais e abissais expressividades!

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